quarta-feira, 22 de junho de 2011

Quando ela foi pra Vênus


No fim da tarde, ligou o carro, colocou um mantra e foi. Com óculos escuros foi tomando o caminho para fora da cidade em busca de paz. Chegou num lugar interessante, cheio de bonitas árvores, uma brisa acalentadora. Queria poder abraçar o mundo naquele instante. Tirou delicadamente os sapatos, enfiou os pés na terra e ali ficou por duas horas. Já estava pronta para ir. Para sair deste mundo. Era hora de ir pra imaginação. A passagem para lá é a morte daqui. Virou-se Eva, Messalina, Elizabeth, Joana D'arc, negra Anastácia e Iemanjá.
Depois com olhos perolados deixou que o mar invadisse toda a paisagem. Varrer o mundo era preciso. Permitiu-se ser a melhor força feminina do universo.
De mãos dadas com Deus ficou o adeus de que aqueles dias seriam os fiapos de eternidade que estaria por vir. De mirabolantes alegrias.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Nada literário

Muitas vezes procuro na escrita o conforto do meu dia, do meu ser. Não tenho vocação para ser escritor. Além desta não-vocação, pergunto se tenho vocação para alguma coisa. Com apenas 26 anos tenho tido preocupações banais para a idade. Em época em que a preocupação com a vaidade, com o futuro e coisas assim caminho por um lado e vejo-me ocupado de pensamentos para o amanhã; do outro lado a minha geração muito contente com o hoje, com a mentira do Carpe Diem que de fato não existe. Estou eu desalinhado com meu tempo? Quando eu me fiz esta pergunta nesta manhã, não consegui conter-me. Chorei e devo ainda hoje chorar mais um pouco. É hora de renunciar o que eu tenho planejado, aceitar certas condições e seguir? Ou devo ainda chorar uns dias mais e insistir nestas convicções? A dimensão da lógica tempo me agonia. Certifico-me de imensa segurança de que não estou nesta vida a passeio. Agregada a esta afirmativa tem o fato de que preciso de beijos, abraços, um sorriso motivador... De um outro alguém. E onde vou ou posso chegar? O que eu posso fazer por mim? Não sei. Preocupo-me quando começo a escrever demais.

domingo, 12 de junho de 2011

Panelas


Abri o armário. Uma panela de ferro com tampa de vidro. Outra de vidro com tampa de alumínio. A de alumínio com tampa de teflon. Teflon não tinha cabo nem alças mas tinha sua outra tampa.Panelas velhas sem tampas qualquer. Panelas novas com tampas trocadas.
Delicadamente fui derrubando uma a uma. Não era possível que com tantas sugestões a olhos nus, não enxergavam cada qual para si, sua outra parte.
Quando percebi minha contrariedade, semelhante à solidão empurrei o armário. Primeiro para que tudo que pudesse quebrar, estourasse. Depois porque vai que os garfos de cabo de madeira querem as facas de acrílico? E as colheres de chá? E se elas quiserem de uma hora pra outra serem colheres de sopa? Tem as promíscuas xícaras, de todos os tamanhos, as travessas que religiosamente viraram pó. Tudo destituído de sua ordem, pude estar aliviado. Como cada qual estava em vagabundo acordo de caos, instalei a minha forma de desorganizar o óbvio.
Portanto não venham pedir ou reivindicar o antes, o que era possível.
Para que as panelas encontrem o gemelar de sua parte vão correr o mundo novamente. Em busca daquilo conhecido como aquilo que lhes fazem inenarrável falta.

Ps.: Sou panela de pressão. Só me salvei porque estava no fogão. E porque sendo quem eu sou não caibo em outras panelas. Diferente das outras.

Sin Rumbo

Desci com muita pressa nesse raro dia frio. Com uma blusa sangrando de tamanho vermelho e um cachecol azul marinho. Do outro lado da rua, no alto de um predinho antigo umas luzes âmbar invadindo toda a escuridão da Avenida Anhaguera. Entrei. Lá em cima, uma moça de sorriso jovial, brincos de cores pulsantes contratavam o ar moderno de quem diz: " hey, seu nome tá na lista?"
O meu não estava. Estava nas listras. Da parede, dos tecidos, dos cabelos africanos, da soul music que cortava a navalhadas a pista de dança. Uma voz negra quando cantando a dor...
Um gole de gin seco. Combinei de ficar ali na portaria meia-luz-vermelha com ares de traição, alegria. Uns subiam, outros desciam. O gin logo compartido levou as mulheres a seu estado original de graça. E eu, tirei o cachecol, fechei os olhos. Dancei, olhei, contemplei a mim mesmo. Presentei-me com o prazer de ser eu mesmo uns minutos. Meu sorriso infantil, meu tudo com fragmentos para os próximos anos.
Desejo a mim mesmo o charme de um riso alcólico com essas mulheres. Todas elas tão quanto eu, Sin Rumbo mas com cumplicidade de ser lá da janelinha de vento gelado, os melhores recortes de uma sexta-feira desta não-cidade. Este lugar nos deve algo. Caro, caríssimo. Hoje não, mas vamos cobrar.