domingo, 11 de janeiro de 2009

Convenções


Amizades que duram muito tempo são problemáticas. Porque ao longo dos anos se desgastam pela inconstância de verdades, pela sutil necessidade de esconder pequenas e grandes fraquezas, tudo para preservar aquela pessoa velha e antiga, sem muitos avanços além da idade.
-Oi. E aí?
-É tô sabendo que você não prestou vestibular pra Jornalismo. Mentindo pra mim... Pôxa, a que ponto chegamos não é mesmo, Borges?
-É...A que ponto estamos Plínio. Melhor dizer assim...
Logo em seguida pairou um silêncio cortante. Desses silêncios que antecedem qualquer coisa séria e que por si mesmo já respondem inúmeras perguntas que seguem vagas na cabeça. Nestas horas o coração é o mais despreparado.
-Sabe o que é ? Acho que não acredito mais nessa amizade, nem mesmo em você que, aliás, também me esconde coisas, do tipo, que não quer mais viajar comigo no ano novo em troca da menina que conheceu em São Paulo. Bem você que sempre me disse que quando a gente conhece alguém fora daqui, não pode ficar cultivando amores incertos, já que a separação é sempre certeira. Só que eu vejo que este momento é que se faz mais certeiro. Ou você me diz o contrário?
As respostas estavam secas na garganta. Era verdade tudo o que Borges dizia, mas Plínio nunca reconheceria tal circunstância, porque nunca reconhecia nada e porque também gostava de ter suas verdades imperiosas. Porque também era notoriamente ignorante para muitas coisas, e se a amizade caminhasse para o fim não queria ser o culpado de nada. Aliás é sempre vítima. As pessoas têm motivos suficientes para gostar dele. Os outros é que são perigosos, culpados e desgraçados.
-Eu?? Borges venha cá. Você mente pra mim e eu que escondo as coisas de você? Você nunca me ouviu dizer isso! Quer que as coisas cheguem a este ponto com este pretexto?
-Ora veja... Antes de qualquer coisa, foi você quem tocou neste assunto. Por mim passaria em branco. Mas você precisava também de algum artifício para hoje estarmos aqui discutindo um assunto que necessitava reparos a muito tempo. Plínio, é preciso reconhecer, e com maturidade, que não dá mais para seguirmos. Isso é crescer!
Borges é a parte da amizade que responde pelo medo, pela conveniência, e que usa de boas ou certas palavras para fazer sua opinião visível. Mas é um incompetente na hora de respeitar suas vontades, tudo em prol da vontade do outro. Muitas vezes repeliu pessoas que considerava alienadas sem perceber a hipocrisia de ser mais um deles.
-Tudo bem... Você escolheu assim. Eu ficarei conforme “toca a música”. É uma pena... Tanto tempo e nós, assim? Não é a toa que as pessoas invejavam nossa amizade. E sabe por que? Porque amizade como ERA a nossa não existe. Onde já se viu duas pessoas darem tão certo assim? Com certeza tinha algo errado. E tinha mesmo.
-Claro. Não vê? A perfeição é a culpa disso tudo. O medo de um ser honesto um com outro provoca estas repelências. Honestidade nunca foi a referência entre nós, porque até mentir com tamanha presteza aprendemos juntos na viciosa cumplicidade, que nada mais era que o alimento para isto agora. Mas cada um encheu a própria alma com a lama da mentira. Mentira!!!
-E o fim então?
-É o fim. E...Teve começo?
Borges e Plínio pela primeira vez caminharam para lados opostos, desta vez conhecendo um ao outro melhor do que antes, custando para isso, a amizade, mas cada qual no seu íntimo acreditando ter feito a coisa certa, porque apesar de tolos queriam muito que esse dia chegasse.


Gadiego Cieser

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